MAIS PÁGINAS BALEIAS!

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

TEMPO DE REFLEXÃO NO MUNDO BALEIAS!



Queridos amigos e amigas que ainda não desistiram do Mundo Baleias!

O blog anda um pouco parado; momentos de reflexão.

O blog anda em falta com alguns simpatizantes do Mundo Baleias que por email pediram notícias nossas, de nossas entranhas, para avaliarem se é o caso de se submeterem à exsanguineotransfusão total para o sangue coral.

O blog anda em falta com seus pares Baleias que querem apenas saber se nossa Equipe vai bem, obrigado.

O blog anda em falta com a razão de sua existência que é a narrativa dos momentos Baleias. 

O relato sobre a Volta da Pampulha 2012, uma deliciosa festa em que comemoramos 10 anos de existência da Equipe, em que batemos o recorde de Baleias na foto oficial, ainda não foi ao ar.

Wu apareceu na Vênus Platinada durante a transmissão da São Silvestre, no último dia do ano de 2012, prova em que Baleias compareceram para nossa alegria, dentre elas, Noélia Barbalho, de Recife, estreiou com o Manto Coral e o blog silente, inerte; é quase revoltante.   

Mas quem teve contato com a Sagrada Escritura, por Eclesiastes, sabe que para tudo na vida há um tempo.

Também há um tempo para correr. E, desde 2009, tudo foi, inapelavelmente, pródigo conosco.

Se há um tempo para correr, há sua contrapartida, há o tempo de refletir sobre as corridas e seu impacto sobre nossas vidas.

Nas festas de fim de ano, por ocasião da tradicional troca de presentes, um pequeno livro de contos restou meio que abandonado após o regresso dos parentes para seus lares de origem.

Esse livro acabou por chegar às minhas mãos e como era pequeno, fácil de ler, com vários e diminutos contos fui lendo nos meus momentos mais íntimos e solitários. 

Um pequeno livro de contos do gaucho Moacyr Scliar, falecido em 2011, da editora L&PM, da coleção L&PM Pocket editado em 2011, chamado A Massagista Japonesa. Esse livro foi editado a primeira vez em 1984, pela mesma editora.

Entre os contos está: O HOMEM QUE CORRIA, que reproduzo aqui, sem autorização autoral, mas entendendo que não há qualquer fim econômico e que não fazê-lo seria um exagero, posto que há apenas a intenção de situar quem gosta desse espaço de alegria do necessário momento de reflexão.

O Homem que corria

Começou como todo mundo: aos trinta e seis anos teve uma dorzinha no peito, reparou que cansava fácil. Um amigo tinha morrido de enfarte, um outro estava hospitalizado, ele se assustou, foi ao cardiologista. O médico garantiu que não era nada, tudo ansiedade, a crise da meia-idade, etc., mas ele achou que era bom iniciar um programa de exercícios; resolveu correr todo o dia meia hora antes do jantar. Foi um verdadeiro milagre; numa semana já se sentia melhor, estava entusiasmado, queria convencer todo o mundo a correr. E levava  a coisa a sério, corria com qualquer tempo; logo achou que meia hora não era suficiente. A esposa, compreensiva, disse que não fazia mal, que podiam jantar mais tarde. E assim o jantar foi adiado para as nove, depois para as dez, depois para as onze. Ele chegava em casa, suando e feliz, encontrava a mulher à espera, mas os filhos – dois, um de oito, outro de seis, dormiam há tempo. Não faz mal, ele dizia, quando crescerem serão corredores. A cozinheira, contudo, protestava contra aquela história de ter que esperar com a janta – perdia todas as novela e além disto ia dormir tarde. De modo que ele resolveu substituir o jantar por um frugal sanduíche que comia enquanto estava correndo. "Não perco tempo, faço dieta e ainda queimo calorias", disse à mulher. Falavam muito pouco agora, não só porque quase não se encontravam como também porque ele não tinha outro assunto além daquele, correr, a alegria de correr. Sentia-se estupendamente bem, tanto do ponto de vista físico como psíquico; quando a gente corre, argumentava, vê-se o mundo de modo diferente, as velhas ideias parece que vão saltando fora, a cabeça fica leve, leve. Era uma coisa tão esplendorosa que ele resolveu ampliar o seu horário de correr; advogado, passaria a atender o escritório apenas na parte da manhã, deixando ao sócio o expediente da tarde. Com isso seus rendimentos caíram, e as pessoas começaram a estranhar-lhe o comportamento; por fim até mesmo a tolerante esposa achou que já era tempo de terem uma conversa. Ele concordou, mas disse que só poderia falar com ela correndo – não só para não perder tempo como também porque, correndo, o papo entre eles teria significação, seria muito mais autêntico. A esposa, embora não estivesse em boa forma, concordou, pelo bem da família; e assim, uma noite, vestiu o abrigo e dispôs-se a acompanhá-lo numa pequena maratona ao redor do parque. Arquejando, ela disse que assim não dava para continuar, que ele estava abandonando tudo, os filhos, o lar, o trabalho. Nem relações sexuais temos mais! – exclamou, com toda a veemência apesar da falta de ar e de sua natural timidez.

Ele não respondeu. Corria sem esforço, o rosto radioso, olhar fixo. E ela de repente adivinhou o pensamento dele, deu-se conta de que ele estava pensando naquilo, numa forma de ter relações sexuais sem parar de correr, os movimentos do coito acompanhando os movimentos da corrida. Parou, deteve um táxi e voltou para casa. Na semana seguinte estavam separados.

Não deixou de correr por causa disto, claro. Nem tão pouco pelo fato de o sócio tê-lo expulso do escritório. Com a indenização que lhe coube, poderia viver – e correr – muito tempo. E desenvolver novas ideias. Já tinha aperfeiçoado, por exemplo, um jeito de dormir enquanto corria: diminuía a velocidade a um mínimo, fechava os olhos, deixava a cabeça cair sobre o peito; cochilava assim por curtos mas repousantes períodos de tempo. E os sonhos que tinha então – simplesmente maravilhosos, aqueles sonhos. Depois de resolver este e outros problemas técnicos, partiu então para o Grande Projeto. Não era mais em torno ao parque que daria voltas – mas sim em torno à própria terra. Maratona? Não. O que ele pretendia era transformar a vida em correr, o correr em vida. Todos os detalhes foram cuidadosamente estudados: a minibarraca acoplada ao chapéu, que o protegeria das intempéries; o alimento sintético; as cápsulas de gás repelente destinadas a afastar os cães (em qualquer latitude, grandes inimigos dos corredores) e assim por diante. Cheio de radiosa confiança deu início à Grande Jornada. Que, infelizmente, foi curta: ele foi atropelado por um carro logo à saída da cidade. Era de noite e o motorista disse que não o enxergara, o que provavelmente era verdade: embora o Corredor estivesse equipado com um farolete traseiro e um pisca-pisca, a lâmpada de ambos estava queimada.
                                                 *
Ninguém reclamou o corpo, ele foi enterrado em vala comum, mas dizem que em noites de lua, no parque... Mas isso já é um modo muito fantástico de terminar a história.
FIM
Fiquei cabreiro, não posso negar.

Miguel Delgado, ensimesmado e, surpreendentemente, introspectivo.

13 comentários:

Unknown disse...

Também fiquei!

Katryny disse...

Somos três cabreiros então...

Querido, estamos todos vivendo um momento de reflexão, o tempo está passando muito rápido (isso é biblico). E o melhor de tudo é saber que podemos refletir, rever e quem sabe se for necessário mudar.
A corrida nos apresentou um mundo novo, um mundo onde tudo é possivel, não importa seu estado físico, emocional, espiritual... se podemos fazer o impossível correndo as outras coisas possíveis se tornam secundarias e perdem a graça...
Mas a graça de tudo está no equilibrio dos dois mundos, como é dificil, eu sei, pois ainda não encontrei... mas o percebi necessário quando a vontade começou a ser correr para viver, e viver para correr.

I Love Long Runs, mas love também minha familia e meus amigos que me suportaram quando eu não sabia o que era correr!
Beijão

E disse...

eu caí na real antes de me divorciar e ser atropelada:)
agora até 5.5km me deixam feliz da vida! :)

texto muito bom, meu amigo!
fez muito bem em partilhar!

saudades!

E disse...

mas será que caí na real mesmo?
tô aqui refletindo...

E disse...

é, é, é...
ainda tô aqui refletindo:)
caramba!
o texto é muito bacana!
um texto pra refletir mesmo!

tô aqui matutando sobre o assunto...
porque eu achava que tava caindo na real, meio à força, é verdade, mas caindo na real...
mas será que tô, de verdade?

equilíbrio é mesmo muito difícil!
(ah, se eu fosse uma pessoa equilibrada!!!)
talvez seja difícil ser equilibrada com a corrida, porque a corrida me trouxe muita coisa boa!
me trouxe amigos, bem-estar, autoestima, força... me levou a conhecer novos lugares...
e sim, me ajudou a "ver a vida melhor" :)
acho que fico querendo sempre mais disso tudo...

vou ter que sair por aí correndo, só pra pensar melhor sobre o assunto:)

Sergio disse...

Desse mal (acho que) não morro. Embora a corrida represente um papel importante demais, não deixo a família nem os amigos por conta dela. Os treinos são preferencialmente antes da turma acordar, inclusive nos fins de semana, e as provas não passam de 6 ou 7 por ano. O negócio é buscar um equilíbrio...
abraço,
Sergio

Maurinho disse...

O conto é uma delicia, faz com que a gente pare e pense sobre o equilibrio dos nossos prazeres e a dedicação a familia. A reflexão é valida, devemos aproveitar ao máximo o tempo com a familia e amigos sem deixar que os treinos e provas atrapalhem esta convivência. Não devemos ser tragados pelo desejo louco das corridas e sim fazer com que as pessoas que nos cercam entendam que competindo/treinando, a gente se sente bem, feliz e pronto a compartilhar estes momentos de alegria com eles. A melhor forma de fazer isso é ter planejamento e viver cada minuto junto daqueles que mais amamos. Bah, o Moacyr foi um grande escritor aqui dos pampas, além de escrever romances e contos, também era médico, professor universitário e membro da Academia Brasileira de Letras.

Douglas Cardoso disse...

Caro Miguel,

Muito propício o texto para reflexão. Poderia se chamar também "O homem que trabalhava', ou " O homem que assistia a TV", ou ainda " O homem que ficava na internet".

Digo isso porque entendo que o texto trata de exageros. Coincidentemente fala sobre um homem que corria.

O fato é que, na vida, temos que buscar equilíbrio. Tudo que é exagerado atrapalha: religião demais, comida demais, bebida demais, festa demais, trabalho demais...

Creio que o grande desafio do ser humano é tentar buscar o equilíbrio. Às vezes não é fácil, pois sempre existe algo que nos dá tamanho prazer que temos a tendência de nos dedicarmos mais tempo a tal atividade.

Então,tentemos dosar as coisas, para que não nos aconteça como o corredor do conto.

Anônimo disse...

Miguel,
FELIZ ANO NOVO! Estamos com saudades do gordinho das pernas grossas.

Quando corro, não penso em equilíbrio. Quando brinco com Laurinha, não penso em corridas. Na realidade, nunca programo o equilíbrio. As coisas simplesmente vão acontecendo...
Tenho dificuldade em sistematizar os prazeres da vida. É tanto que eu só consigo fazer algo mais ou menos organizado com a alimentação.
É isso!
Sinta-se beijado e abraçado!
Gilmar

DAMASIO disse...

Valeu Miguel, sei que muita gente se viu nessa historia e precisa refletir. Eu ainda não cheguei nesse ponto e espero não ir até lá. Corro por prazer e lazer, sem vontade de ser atleta profissional.
Correr para mim é: SAÚDE; AMIZADE E ALEGRIA.

TINIL disse...

Prezado Miguel e Irmãos BALEIAS

Façamos as coisas com prazer e alegria e o equilíbrio estará estabelecido.Não vivemos em função das corridas. Elas são apenas o combustível necessário para nossos encontros e confraternizações, além é claro, do bem estar de todos.

Por isso que para mim, as melhores e mais agradáveis provas do ano são a Volta da Pampulha e a Corrida de Bar em Bar.

Um maravilhoso 2013. Beijo no coração de todos.

TINIL

Benedito disse...

É Miguel, esse “negócio” de correr não é fácil não. O sujeito vai-se deixando levar, levar, até que fica completamente dominado.
Sempre fui contra o excesso. Nunca corri mais do que três maratonas em um ano. Pretendo correr algumas no exterior, mas como sobremesa, nunca como prato principal.
Ano passado, tirei férias e viajei com a família para o Rio, aproveitei e corri a Maratona.
Digo isso pra mostrar que ao sentir o poder dominador da corrida, dele me afastei, sem contudo relegar os seus benefícios.
O conto de Moacyr Scliar com efeito leva à reflexão.
Um grande abraço, e espero revê-lo, como aconteceu nas maratonas de Porto Alegre, Rio e Recife.

claudio dundes disse...

bonito conto. Ótimo breque. Reflexão salutar. Li e gostei. Abraço de amigo gordo!